Falando de política

Como muitos leitores e quase todos os militantes não sabem muito bem que diabos é isso de “direita” e “esquerda” de que todo mundo fala, convém “eternizar” aqui um post para tentar esclarecer afinal esses dois conceitos básicos tão presentes no dia a dia do debate público no Brasil e no mundo.

O espectro político esquerda-direita é um conceito geral de enquadramento de ideologias e partidos. Esquerda e direita são muitas vezes apresentados como opostos, embora um indivíduo ou grupo em particular possa eventualmente assumir uma posição mais à esquerda numa matéria e uma postura de direita ou até de extrema-direita noutras. Na França, onde os termos se originaram, a esquerda tem sido chamada de "o partido do movimento" e a direita de "o “partido da ordem”.

Há um consenso geral de que a esquerda inclui: progressistas, sociais-liberais, ambientalistas, socialdemocratas, democrático-socialistas, libertários socialistas, secularistas, socialistas, comunistas e anarquistas, enquanto a direita inclui: capitalistas, neoliberais, econômico-libertários, conservadores, reacionários, neoconservadores, anarcocapitalistas, monarquistas, teocratas (incluindo parte dos governos islâmicos), nacionalistas, fascistas e nazistas.

Segundo Laponce são quatro as dimensões (política, econômica, religiosa e temporalidade) que mais assertivamente definem os elementos da divisão ideológica entre esquerda e direita.

Assim, como traços periféricos da divisão entre direita e esquerda temos: para o primeiro o setor político, o passado, o status quo, a livre empresa e os EUA; para a segunda, orientação ideológica, o futuro, a mudança, a intervenção do Estado na economia e a URSS. A direita é mais conservadora e mais contínua nas suas ideias; a esquerda convive melhor com a descontinuidade.

Assim, pode-se concluir que a esquerda nem sempre é igualitarista (doutrina, atitude daqueles que visam estabelecer a igualdade absoluta em matéria política, social, cívica; teoria que sustenta a igualdade absoluta dos homens), nem a direita inigualitária, que é o inverso da primeira.

Já o estudioso político e publicista português Nogueira Pinto também procura os traços essenciais desta divisão: à esquerda temos o otimismo antropológico, o utopismo, o igualitarismo, o democratismo, o economicismo, o internacionalismo; e à direita o pessimismo antropológico, o antiutopismo, o direito à diferença, o elitismo, antieconomicismo, o nacionalismo.

Existem, entretanto, críticas consideráveis e consistentes ​​sobre a simples – redução da política num simples eixo – esquerda-direita. Alguns cientistas políticos têm sugerido que as classificações de "esquerda" e "direita" perdeu seu significado no mundo moderno. Embora esses termos continuar a ser utilizados, eles defendem um espectro mais complexo que tenta combinar as dimensões políticas, econômicas e sociais.

O jornalista Eric Dupin observou que os termos "direita" ou "esquerda" são cada vez menos relevante na arena pública. Mesmo no seio da população, os reflexos ideológicos são certamente menos acentuados do que antes, e as diferentes visões do mundo e da sociedade já não podem expressar-se claramente no contexto habitual da polarização esquerda-direita.

Friedrich Hayek sugere que é errado ver o espectro político como uma linha ou eixo, com os chamados "revolucionários" à esquerda do suposto rei e/ou imperador, os conservadores à direita e os liberais no meio.

A normalidade democrática é a concorrência efetiva, livre, aberta, legal e ordenada de duas ideologias que pretendem representar os melhores interesses da população: de um lado, a “esquerda”, que favorece o controle estatal da economia e a interferência ativa do governo em todos os setores da vida social, colocando o ideal igualitário acima de outras considerações de ordem moral, cultural, patriótica ou religiosa. De outro, a “direita”, que favorece a liberdade de mercado, defende os direitos individuais e os poderes sociais intermediários contra a intervenção do Estado e coloca o patriotismo e os valores religiosos e culturais tradicionais acima de quaisquer projetos de reforma da sociedade.

Representadas por dois ou mais partidos e amparadas nos seus respectivos mentores intelectuais e órgãos de mídia, essas forças se alternam no governo conforme as favoreça o resultado de eleições livres e periódicas, de modo que os sucessos e fracassos de cada uma durante sua passagem pelo poder sejam mutuamente compensados e tudo concorra, no fim das contas, para o benefício da população.

Entre a esquerda e a direita estende-se toda uma zona indecisa de mesclagens e transigências, que podem assumir a forma de partidos menores independentes ou consolidar-se como política permanente de concessões mútuas entre as duas facções maiores. Este é o “centro”, que se define precisamente por não ser nada além da própria forma geral do sistema indevidamente transmutada às vezes em arremedo de facção política, como se numa partida de futebol o manual de instruções pretendesse ser um terceiro time em campo.

Nas beiradas do quadro legítimo, florescendo em zonas fronteiriças entre a política e o crime, há os “extremismos” de parte a parte: a extrema esquerda prega a submissão integral da sociedade a uma ideologia revolucionária personificada num Partido-Estado, a extinção completa dos valores morais e religiosos tradicionais, o igualitarismo forçado por meio da intervenção fiscal, judiciária e policial. A extrema direita propõe a criminalização de toda a esquerda, a imposição da uniformidade moral e religiosa sob a bandeira de valores tradicionais, a transmutação de toda a sociedade numa militância patriótica obediente e disciplinada.

Não é o apelo à violência que define, ostensivamente e em primeira instância, os dois extremismos: tanto um quanto o outro admitem alternar os meios violentos e pacíficos de luta conforme as exigências do momento, submetendo a frias considerações de mera oportunidade, com notável amoralismo e não sem uma ponta de orgulho maquiavélico, a escolha entre o morticínio e a sedução. Isso permite que forjem alianças, alternadamente ou ao mesmo tempo, com delinquentes e com os partidos legítimos, às vezes desfrutando gostosamente de uma espécie de direito ao crime.

Não é uma coincidência que, quando sobem ao poder ou se apropriam de uma parte dele, os dois favoreçam igualmente uma economia de intervenção estatista. Isto não se deve ao slogan de que “os extremos se tocam”, mas à simples razão de que nenhuma política de transformação forçada da sociedade se pode realizar sem o controle estatal da atividade econômica, pouco importando que seja imposto em nome do igualitarismo ou do nacionalismo, do futurismo utópico ou do tradicionalismo mais obstinado. Por essa razão, ambos os extremismos são sempre inimigos da direita, mas, da esquerda, só de vez em quando.

A extrema esquerda só se distingue da esquerda por uma questão de grau (ou de pressa relativa), pois ambas visam em última instância ao mesmo objetivo. Já a extrema direita e a direita, mesmo quando seus discursos convergem no tópico dos valores morais ou do anti-esquerdismo programático, acabam sempre se revelando incompatíveis em essência: é materialmente impossível praticar ao mesmo tempo a liberdade de mercado e o controle estatal da economia, a preservação dos direitos individuais e a militarização da sociedade.

Isso é uma vantagem permanente a favor da esquerda: alianças transnacionais da esquerda com a extrema esquerda sempre existiram, como a Internacional Comunista, o Front Popular da França. Essa desvantagem da direita é compensada no campo econômico, em parte, pela inviabilidade intrínseca do estatismo integral, que obriga a esquerda a fazer periódicas concessões ao capitalismo.

Apesar de todas essas noções sejam bem claras e facilmente comprovadas por observações de tudo que se passa no mundo, e em especial em nosso país, você jamais poderá apanhar tais conhecimentos em nenhuma universidade brasileira. A democracia no Brasil ainda está doente, como mostram as eleições passadas, mas para curá-la não há dúvida de que é preciso primeiro saber identificar a doença. Vamos à luta Brasil!

FONTE: Felipe Moura Brasil  http://www.veja.com/felipemourabrasil; Artigo “Democracia normal e patológica – 1“, de Olavo de Carvalho, publicado no dia 5 de outubro de 2011 no Diário do Comércio, incluído no capítulo “Democracia” no best seller O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota, o livro que esclarece essas e outras questões sobre a experiência individual, mental, social, cultural, política e intelectual brasileira; https://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil/; The American Heritage Dictionary (2003). «egalitarianism». Consultado em 30 de maio de 2014.