HISTÓRIA DE PERY-PERY A PIRIPIRI – PARTE II

 Por Luiz Mário Morais Getirana

PIRIPIRI – 1844: Padre Freitas, da fundação de Piripiri ao seu falecimento em 1868.

 

No ano de 1844, Padre Freitas se muda do Sítio Anajá para a Casa-Grande dos Freitas (1), na “Fazenda Piripiri”, com a família (Dona Jesuína Francisca da Silva (2) – Iaiá Zizu), sua mulher; os cinco filhos (3) com Dona Lucinda Rosa de Sousa. Também com ele os seus escravos. O local agradável, próximo a um olho d’água (4) que lhe garantia a permanência e proporcionando uma vida mais saudável, para as pessoas e para os animais. Começa uma nova história do Padre Freitas, agora em Pery-Pery; no início, na labuta do dia-a-dia, primeiro, com os afazeres da casa nova, concomitantemente, talvez, com os acabamentos da Capela em honra a Nossa Senhora do Rosário (5), dos currais, das plantações e das criações de gado. Padre Freitas dividia seu tempo ao ensino das primeiras letras e da língua latina tudo gratuitamente – na realidade foi o primeiro professor de Piripiri; também ensinava a doutrina católica às crianças e adultos demonstrando claramente ser um educador por excelência, preocupado com a formação geral do ser humano. Quanto a sua esposa, Dona Jesuína, coordenava os trabalhos da casa, cuidava dos seus filhos e enteados; ensinava algumas prendas domésticas como coser (costurar), a fiar e fazer renda, tudo graciosamente, e a quem quisesse aprender.

 

Mas Padre Freitas não queria só isso; uma vida parada, sem perspectiva, sem avanços, baseada no cotidiano, talvez, entediante muito comum às outras pequenas localidades interioranas... Ele tinha um foco que era de transformar o simples lugarejo em uma localidade mais desenvolvida. Até 1855 somente duas casas existiam na localidade da Fazenda Pery-Pery – a casa-residência do Padre Freitas e a capela já em honra a Nossa Senhora dos Remédios. Foi aí que Padre Freitas, com sua determinação de empreendedor e benfeitor, divide as terras de sua propriedade em pequenos lotes e oferece a quem quiser construir casas (6). Não faltou quem não quisesse vir morar no entorno da Capela e da Casa de Padre Freitas, sob a sua liderança; a afluência de pessoas foi tamanha que em 1857 já havia muitas casas construídas modificando o aspecto para um promissor lugarejo (7).

A Capela de Nossa Senhora do Rosário, a primeira de Piripiri, também construída pelo Padre Freitas, em honra a Santa protetora dos escravos era simples, de alvenaria e telha; e se localizava onde é hoje a pequena Rua João de Freitas que se estende desde o Museu de Pery-Pery à Escola Padre Freitas, frontalmente a esta escola. Local sagrado onde o Padre Freitas celebrava as Santas Missas e outras cerimônias religiosas. O nosso fundador sempre esteve à frente da Capela no uso de suas funções eclesiásticas até seus últimos dias. Quando Antônio de Freitas e Silva Sampaio, o Tenente Antônio de Freitas, filho do Padre Freitas nasceu, em 16 de outubro de 1853, é que a padroeira da capela foi mudada para Nossa Senhora dos Remédios – “Capela de Nossa Senhora dos Remédios”, em função de promessa que Padre Freitas fez para o filho recém-nascido. 

                        Foto 2 – Capela em honra a N. S. dos Remédios. 

Pela Lei 509 de 25 de agosto de 1860, o povoado Perypery é elevado à condição de Distrito de Paz e, aproveitando o visível crescimento do lugar, Padre Freitas doa trezentas braças quadradas de suas terras a Nossa Senhora dos Remédios, numa visão de desprendimento e o de fazer com que, no futuro, com a criação da Paróquia, esta, tivesse condições financeiras de bem continuar com o pastoreio das ovelhas de Cristo neste povoado. Nota-se claramente a visão altruísta e humanitária do nosso fundador.

A criação da Paróquia de Nossa Senhora dos Remédios se deu em 16 de outubro de 1864 entende-se que nesta época da criação da Paróquia a Capela de Nossa Senhora dos Remédios foi “transformada” em igreja, ainda quando Padre Freitas estava vivo... Criada por Dom Frei Luís da Conceição Saraiva, OSB – Bispo de São Luís-MA. Lembramos que a primeira igreja foi inaugurada em 1884 e demolida em 1953.   

 

Em 1862 Padre Freitas pressentindo a aproximação de sua partida e a de não deixar problemas de herança à esposa Dona Jesuína e aos filhos, redige do próprio punho em seis laudas de papel o seu Testamento (8), mesmo sentindo-se alquebrado pelos anos e a doença que lhe atormentava nomeia como seus testamenteiros seus filhos Domingos de Freitas e Silva Júnior e Raimundo de Freitas Silva. No documento, Padre Freitas relata sobre sua segunda esposa enaltecendo as suas virtudes, no tratamento dado a ele na enfermidade; os devidos cuidados na administração da casa e dos filhos. Dona Jesuína lhe acompanhou e se dedicou ao esposo Padre Freitas por longos 28 anos, até o dia derradeiro de nosso fundador.

 

Nesta época a América do Sul se efervescia para se afirmar na conquista de mais espaço territorial de seus países latinos; o Paraguai queria uma saída para o mar (Oceano Atlântico). Estávamos no século XIX, no final de 1864, o ditador do Paraguai Solano Lopez queria implementar uma política expansionista e aumentar o território paraguaio; invadiu terras brasileiras e argentinas, porém a reação foi imediata e os três países da bacia do Prata – Uruguai, Argentina e Brasil se uniram e formaram a Tríplice Aliança para barrar o avanço paraguaio. Rapidamente o Imperador Dom Pedro II deu início a “convocação de voluntários” brasileiros para lutarem contra as forças do Paraguai; foram arregimentados, em sua grande maioria, principalmente, escravos e pobres. Governava o Piauí nessa época Franklin Américo de Meneses Dória (9) que participou, como tal, na articulação e mobilização com as autoridades dos lugarejos, vilas e cidades piauienses. Padre Freitas liderança do povoado Pery-Pery, em 8 de junho de 1865, escreve ao Presidente da Província informando as dificuldades da pequena povoação e indica os nomes dos irmãos Antônio Gomes das Neves e Raimundo Gomes das Neves “voluntários da pátria” para lutarem em terras paraguaias, representando o nosso povoado. Para fazer o recrutamento dos praças no norte piauiense ficou responsável o campo-maiorense Lívio Lopes Castelo Branco e Silva. Em fim nossos jovens piripirienses partiram para a luta e o Brasil conseguiu sair vitorioso, apesar das perdas humanas e financeiras.

 

À volta do Paraguai, da sangrenta guerra, retorna ao povoado Perypery, apenas o valente Raimundo Gomes das Neves, o nosso herói! Antes, ainda na capital do Reino do Brasil, Rio de Janeiro, os combatentes são recebidos em festa pelo Imperador que ao se aproximar da tropa, viu algo diferente em um dos soldados... Era o nosso Raimundo Gomes das Neves perfilado com os demais, trazendo consigo um cão e o instrumento musical. Foi então que o Imperador penalizado e diante do que vira exclamou: “Além dos tormentos porque passaste ainda trazes um cão às costas?!”... Ao chegar a Teresina, a capital do Piauí, os combatentes também foram recebidos pelas autoridades da Província com muitas festas. Era o dia três de setembro de 1870, às 6:30h da manhã, quando aportou no cais do Rio Parnaíba, a barca que trazia os 140 soldados e 9 oficiais, vinda da cidade de Parnaíba com os sobreviventes da guerra.  Foi uma recepção calorosa, com festas, discursos, paradas militares... Tudo para receber os heróis piauienses. Em Piripiri, de certo, talvez, a chegada de Raimundo Gomes das Neves ao povoado Perypery não teve tanta recepção, a não ser dos familiares e a alegria da noiva de Raimundo, Anna Joaquina Raimunda da Silva, que ficou aqui esperando que a promessa se cumprisse – Raimundo disse à noiva que: “se eu voltar vivo eu me caso com você”. Promessa cumprida! (10). Infelizmente Padre Freitas não estava mais vivo para receber o nosso herói...

                 Foto 5 – Carta do Padre Freitas ao Presidente da Província do Piauí. 

 Com a idade avançada e já debilitado pela enfermidade de um câncer externo, Padre Freitas caminha para o seu final; sempre assistido pela esposa Dona Jesuína, os filhos, os escravos e amigos, com 70 anos de idade, depois de uma noite de Natal, em 26 de dezembro de 1868 (11), deixa o plano físico; desaparecia o Fundador de Piripiri; morria o Padre, morria o professor, o pai e esposo; o amigo, mas deixava a esperança plantada no coração dos que o conheceram e daqueles que, com certeza darão continuidade ao seu projeto para o lugarejo da fazenda Pery-Pery; deixava também o legado para todos os familiares e seus descendentes e nós piripirienses, nascidos ou não nesta Terra Bendita de Padre Freitas, a certeza de que somos um povo aguerrido, como fora o seu fundador, assim como, a nossa hoje Piripiri que desponta como uma das mais desenvolvidas cidades do Piauí.  

 

(1) A Casa do Padre Freitas ou Casarão dos Freitas da Fazenda Pery-Pery, era de estilo muito simples com paredes largas, portas e janelas muito amplas, compartimentos espaçosos; teto de carnaúba, piso de ladrilho, telha colonial. Casa aconchegante, onde Padre Freitas morava, com sua segunda esposa, Dona Jesuína Francisca da Silva e seus cinco filhos com sua primeira esposa. Foi à primeira edificação na localidade, construída pelo fundador de Piripiri, Padre Domingos de Freitas e Silva e que por muito tempo pertenceu a Família Freitas, depois vendida para a senhora Aurora de Sousa Pontes “Beleza”, sendo demolida no início dos anos 80, e em 06 de janeiro de 2014 a Prefeitura Municipal de Piripiri, através do então prefeito Odival José de Andrade adquiriu, do herdeiro Valdelício de Sousa Pontes, o local e que hoje funciona um bar, para no futuro reconstruir com base nos alicerces e em descrições dos muitos que conheceram o Casarão dos Freitas.

 

(2) Jesuína Francisca da Silva era filha de Antônio da Silveira Sampaio e Umbelina Francisca de Castelo Branco, casando em 1840 com o Padre Freitas,

 

(3) Os cinco filhos do Padre Freitas com a sua primeira esposa Dona Lucinda Rosa de Sousa, todos nascidos na Fazenda Capote, em Piracuruca:

1- Domingos de Freitas e Silva Júnior – “Freitas Júnior”, provavelmente nascido em 1831, foi casado com Carolina de Moraes Aguiar e Silva “Carola Freitas”, não deixaram filhos;

2- Raimundo de Freitas e Silva, casado com Arcângela de Sousa da Anunciação;

3- Porfírio de Freitas Silva, falecido em 1º de abril de 1899, no Amazonas, foi casado com Francisca Eufrásia da Silva;

4- Antônio Francisco de Freitas Silva;

5- Amélia Clemência da Silva, casada com Antônio Francisco de Sales; este, vindo provavelmente do Ceará.

 

(4) Fonte de água cristalina encontrada por Padre Freitas que serviu para o consumo humano de todo o lugarejo e também para atender a criação dos rebanhos de animais criados por ele. Por muitas e muitas décadas o olho d’água foi utilizado para matar a sede dos piripirienses e transformado em um bem público natural, em 1949, pelo então Prefeito Isidoro Machado Brito, quando urbanizou o local murando, construindo uma cobertura para proteger a fonte de água; uma Caixa D’água e que através de um motor puxava água da fonte onde era canalizada para as torneiras que a população se abastecia levando às casas o precioso líquido em animais com ancoretas, água em latas na cabeça de muitas mulheres, como também jovens e adultos que usavam duas latas (que vinha com querosene) penduradas por cordas fixadas em um pedaço de madeira, que carregavam no ombro.

    

(5) Os escravos que os filhos do Padre Freitas herdaram da mãe, Dona Lucinda Rosa de Sousa, foram: do filho Raimundo de Freitas Silva, o escravo Manoel; do Freitas Júnior, o escravo Francisco; do Antônio Francisco, Moisés; de Amélia Clemência, Salomão. Os escravos pertencentes ao Padre Freitas por ocasião do testamento: José Nação Angola, Camilo cabra, Antônio criolo, Samuel cabra, Jonas cabra, Tomázia criola.

 

(6) A visão altruística do Padre Freitas era tanta que planejou e realizou, em pleno século XIX, a reforma agrária urbana nesta região do Piauí na intenção, tão somente, de fazer grande o lugarejo que acabara de fundar. Indistintamente, em 1855, fez a doação de lotes de terras para quem quisesse construir suas casas.

 

(7) Quando a população do lugarejo aumentou o Padre Freitas preocupado com as ovelhas cristãs do seu rebanho e com a Paróquia de Nossa Senhora dos Remédios, demarcou judicialmente parte de suas terras e doou para o patrimônio da Santa Padroeira registrando em livro próprio no documento intitulado: “AUTO de Inventário dos Bens Patrimoniais”, datado em 10 de dezembro de 1857, na Vila de Piracuruca, Comarca da cidade Parnaíba, Província do Piauí. Ver livro de Judith Santana “O Padre Freitas de Piripiri – Fundador de Piripiri” – 1984. Pág. 23, 24, 25 e 26.

 

(8) Testamento do Padre Freitas: um documento valioso para a historiografia de Piripiri e para a família Freitas; nele, estão resumidamente descritas à vida do fundador, informações de família e da Fazenda Pery-Pery. 

 

(9) Franklin Américo de Meneses Dória (12.07.1836-28.10.1906) advogado, orador, político, poeta e magistrado, governou a Província do Piauí de 28.05.1864 a 03.08.1866. Em 8 de junho de 1865, Padre Freitas escreveu a ele manifestando os motivos das dificuldades de arregimentar mais homens da região para a Guerra do Paraguai. Alguns trechos da carta ainda indecifráveis.

 

(10) Raimundo Gomes das Neves nasceu na redondeza da região da hoje Piripiri, provavelmente em 1840 e cresceu na localidade Serrinha. Com 25 anos o jovem Raimundo e outros irmãos seus se ofereceram para se alistar como Voluntário da Pátria para a Guerra do Paraguai. Ao voltar cumpriu a promessa, casou-se com Anna Joaquina Raimunda da Silva com quem teve 13 filhos. Há algumas controvérsias sobre os nomes verdadeiros e idades de alguns dos seus filhos, porém vamos procurar nominá-los, mesmo assim: 1- Benvindo Gomes das Neves; 2- Antônio Gomes das Neves; 3- Senhorinha Gomes das Silva; 4- Claudionor Gomes das Neves; 5- Izabel Gomes da Silva; 6- Segismunda Gomes da Silva “Dona Xis”; 7- Maria Joana da Silva “Dona Mariquinha”; 8- Joaquim Gomes das Neves; 9- Jovelina Raimunda da Silva, “Dona Jovem”; 10- Estolina Raimunda da Silva “Dona Tó”, casada com Gonçalo do Carmo Sant’yago “Gonçalo Custódio”; 11- Anna Jovita da Silva “Dona Donana”, casada com Benedito Elias de Sousa; 12- Venina Gomes da Silva e a última, nasceu morta.

A Dona Mariquinha era a mãe de Valdemar Paulino Gomes, conhecido por “Valdemar Mariquinha” que por muitos anos trabalhou na fábrica de telhas e mosaicos de Hamilton Coelho de Resende, pai do ex-deputado federal Murilo Rezende e, também era avó do sanfoneiro Salmeron; Dona Jovem faleceu em 1959 de uma queda no “corte do trem”; o Joaquim era o pai da Raimunda Nonata das Neves “Nonata Vaca”; Dona Tó foi casada com Gonçalo Custódio; Dona Donana foi casada com o Benedito Elias de Sousa que são os pais da família “os Elias”.

    

(11) O desaparecimento do Padre Freitas deixou o pequeno povoado da Fazenda Pery-Pery entristecido; muitos acorreram à Casa-Grande de sua fazenda para prestar-lhe a última homenagem. Talvez, não se sabe ao certo, se foram feitas todas as suas vontades descritas por ele em seu testamento. Na verdade o corpo de Padre Freitas foi sepultado na Capela de Nossa Senhora dos Remédios, que era bem no centro da hoje Rua João de Freitas e demolida em 1940, quando foi construída outra capela no local onde hoje ainda se encontra, já com o nome de Capela de Nossa Senhora do Rosário, defronte a Unidade Escolar “Padre Freitas”. No lugar da capela demolida em 1940, foi erguido um túmulo/monumento no meio da Rua João de Freitas, com a seguinte inscrição: “HOMENAGEM DO POVO PERIPERIENSE À MEMÓRIA DO FUNDADOR DA CIDADE PADRE DOMINGOS DE FREITAS 1844 – 1940”, que perdurou até o ano de 1977, que em nome do progresso, o dito túmulo/monumento, foi simplesmente demolido para passar o asfalto e muitos anos à lápide com a citada inscrição foi fixada na parede exterior frontal da capela. Na primeira Gestão do prefeito Odival Andrade foi construída uma réplica do monumento/túmulo em frente à Capela.  

 

FONTE:

1- Judith Santana – PIRIPIRI – 1972.

2- Judith Santana – o Padre Freitas de Piripiri (Fundador da Cidade) – 1984.

3- Cléa Rezende Neves de Melo – Memórias de Piripiri: 1992.

4- Maria Leonília de Freitas, Francisco Antônio Freitas de Sousa e Francisco Newton Freitas – Professor Felismino Freitas: educação como missão e vocação. Teresina: Zodíaco, 2009.

5- Almanaque de Piripiri – Evonaldo Cerqueira de Andrade: 2013 -1ª Edição.

6- Fabiano Melo – Ruas, Avenidas e Praças de Piripiri: 2008 – 1ª Edição.

7- Informações do site: Family search.

8- históriadepiripiriparaestudantes.blogspot.com.br . Professor Marco Matos

9- Wikipédia, a enciclopédia livre.

 

10- BRAVOS DO PIAUÍ! ORGULHAI-VOS. SOIS DOS MAIS BRAVOS BATALHÕES DO IMPÉRIO: a propaganda nos jornais piauienses e a mobilização para a guerra do Paraguai (1865-1966). Johny Santana de Araújo. – 2009. Tese de Doutorado – Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de História, 2009.